sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

último romance de formação - do ano

- Não há coração de pedra-
- Amar de frente. Amar até a fronteira-
- Falar com o fogo da face -
- O passado não é Agora-
- No quarto de escrever cabe o Outro -
- A escrita se dá a ver no rito-
- Não somos feitos à distância-
- Sou este pequeno sim-

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Aquele lugar no meio da sala,
na perna de sua mãe,
no horizonte da cama de cima,
no canto de seu irmão.
Sim, é aqui, a natureza entrando
sem distinção entre lavar, colher, secar, plantar
que a mulher se lembrou de olhar para o espírito do homem
onde o amor não se alimenta de espécies raras
onde amor se alimenta do verme encarnado debaixo da pia
Seu alimento é digestão
No mapa rijo da musculatura no rosto de um animal
Ambos cuidam de si
era preciso entregar os sapatos à nova causa:
“só subirei aos céus se estiver viva”.
A menor planta possível, apontada para o alto
eis um novo quarto de escrever
para a alma que não é imagem.
A porta é vermelha
da mesma cor que a camisa de sua serva.
Seu bolso contém
uma prega na memória, agarrada
ao recado afetivo do pai.
Aqui a cadeira se mistura à planta
e todo o nome mergulha-se no tanque
antes de ressoar à linguagem dos pássaros e dos animais.
A textura de sua pele
correspondia ao abraço do dia
que sempre terceiro, Ressuscita-se.
“Há cores no jardim sem que saibamos seus nomes”. Disse-me.

Respondo-lhe que de certo modo isso já havia acontecido antes. Lembra-te dos teus irmãos que se reproduzem, amam, levantam e adoecem? E o quanto isso se desdobra em ti?

A porta da origem segue aberta. Não tocamos.
E eis que ela rangerá o espírito.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

em breve olharei um girassol de frente e esta flor se transformará em tomate. Olho ao lado e só encontro terra plana. Nada traz a lembrança de um salto. É tempo de fincar os dois pés no humano.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

ATENDO A GRAFIA QUE BATE À PORTA
ESCREVO COMO TE DIGO SIM
TRAÇO PARA NÃO VOLTAR
E PERMANEÇO
chamarei a pele de voz, se assim me permitir,

Estou diante de ti

e estamos a conversar com o que fizemos no jardim. Com o jardim. Somente

Deixa que

tenho uma pedra cinza a cavar. Ofereço-te

Com as unhas gigantes que pedi emprestada ao jardineiro

Estou naquele quarto em que se trancara, mãe. Para ensinar-me que o homem nasce de uma de voz.

Calçado, calçada, caçada - conversa com Marcelo Ariel


A. Quando sua mão escreve, você está a aproximar-se de algo?

M. Sim, de um calor nos pés. Às vezes quando escrevo poemas ou quando leio em voz alta alguns dos 'salmos de david', tenho a sensação de que meus pés estão descalços, mesmo que eu esteja calçado, de que eles estão plantados nas águas de um oceano. Um oceano de águas quentes, talvez com o Sol no fundo. Certamente é isso, há um Sol no fundo do mar. existe a armadilha de projetar o sagrado nas palavras, e durante muito tempo, como um morcego preso pelo rabo em uma ratoeira, me sentia preso na tentativa de dar um sentido metafísico para a linguagem cotidiana, atualmente tenho a convicção de que 'A palavra' escrita ou falada é o 'reino do demônio' e que escrevendo podemos passar por elas como se atravessássemos uma ponte até chegar a um silêncio edênico, que começa nos ossos dos pés, até explodir na cabeça como uma auréola, por onde saí e sobe aos céus. Quando este silêncio quente chega no coração, todas as palavras se dissolvem e nesse vazio-transparência podemos finalmente nos aproximarmos do que não pode ser dito, daquilo que nos Evangelhos é chamado de O Verbo, o que torna possível a existência do 'paraíso' no mundo e não o oposto. Não podemos nos aproximar desse silêncio solar se estamos em algum lugar fora do mundo, muitos amigos meus poetas, escrevem sua procura a partir de algum lugar fora do mundo, e isto torna difícil a sensação viva da existência do Éden, viva como o toque da mão do feto na placenta. Estudo muito 'A Bíblia ' e dia-após-dia sei cada vez menos e sinto cada vez mais, por exemplo, senti anteontem que a resposta a Jó, pode ser resumida como a lembrança vivíssima de que um dia fomos apenas uma simples célula, esta célula teve acesa dentro dela a sensação viva do éden e sentiu a nossa presença, do mesmo modo, podemos sentir o silêncio e o rastro harmônico do éden, como um lugar depois de todas as palavras. Há um poema de Hans Eszemberger que discute essa questão de um modo mais pragmático, diz o poema que quando alguém está feliz jamais pensa na palavra felicidade, de igual modo, estamos no Éden, se nos aproximamos do éden, houve um prisioneiro que atravessou um campo de concentração ao meio dia e antes de levar um tiro na cabeça, sentiu o Éden, como algo um milhão de vezes mais real do que o regime nazista, do que o próprio campo de concentração. Existe também um campo de concentração das palavras e dele nos afastamos, sem a necessidade da morte como extensão do Ser, para a filosofia concreta, nenhuma criatura finita tem acesso ao Ser, discordo com todas as minhas forças desse enunciado.

A. Do quê/quem você é íntimo?

M. Do estranhamento-amor, ele é como uma névoa prateada que não queima quando chegam os primeiros raios da manhã edênica, insisto muito no éden, porque ele não é uma ideia.

A. Há amizade entre o homem escritor e o homem civil?

M. Sim, através do Poema desaparece a separação entre uma coisa que vê e a coisa vista, sou inimigo da visão dicotômica entre vida e literatura, tenho a profunda fé na fusão entre Hamlet e Shakespeare, Hamlet escreveu todas as peças de Shakespeare. Um cão é um cão-lobo e não um lobo-cão.
A. Qual a sua espinha? Com o quê/quem conversa?
M. Com o Querubim, ora é um cão, ora é uma criança, ora é um lobo, ora é uma árvore que fala .O Ser é uma pergunta-resposta?


A. O que aprendeu escrevendo?

M. Escrevendo aprendi a ler, do mesmo modo, quando alguém ama , aprende a escutar.

A. Há impropriedade?

M. Na dúvida, sim. Este trabalho que fazemos exige uma fé para além do pensamento e da palavra. Mas existem os que vivem no reino do entre e nesse caso as impropriedades são constantes e absurdas.

A. Como você lê? Você é leitor do que escreve? Como vê aqueles que e lêem?

M. Não saber e não ver são atributos da fé. Não sei o que é e não vejo o quê me lê. Não sei quem são, nem o que são. Mas sei de um modo sobrenatural que eles estão perto de mim, estou do outro lado da calçada na rua que aparece nos sonhos deles, sejam eles computadores ou pessoas, árvores ou nuvens, pedras ou lagos.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Llansol

da mulher que aos poucos deitou a rotina do dia em escrita,
trago notícias
do tempo em que ver era
a amizade entre o milagre e a espera
eu te traria nos braços, amor
se a certeza não fosse uma criança veloz
é madrugada
e meu corpo vai traindo-se em direção ao feto
nossos olhos não se tocaram
e ela me responde em fotografia:
"-estás na metade do diálogo.
haverá que colocar teu campo de escrita nas costas:
sairá sem ti
voltarás sem ti
e a musculatura do encontro irromperá a folha."
era tarde,
Arseni pediu a Andrei um copo d'água.
Andrei ergueu sua alma de osso e ofereceu ao pai duas perguntas:
- Estamos a conversar?
- O que tens cultivado no poema?
Arseni deitou a água em sua espinha e repousou o sapato ao sol.
Sua noite
saciava a sede do filho.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Tarkovski pediu minha mão e disse:

é que o poeta ainda não subiu no segundo degrau da imagem
por isso seus pés soam tão leves ao chão

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

um novo romance- em capítulos-

-uma estranha vontade de usar o que tenho-
-a mulher que morri-
-é para isto que vim-
-erguer a cabeça para fora da lama e...-
-um raio de beija-flor azul marinho-
-tenho vontade de instalar-me-
-a escrita era meu pássaro-
-eis a estética do provável-
-não chamarei de mistério, o mistério
-é a saída para o homem que não dorme-
-este capim não se entrega facilmente à água-
-porque és liberto, jardim-
-o que fazer com as sementes na boca-
-olha a sobra da tinta na parede e pensa: um quadro fora pintado ali-
-pois cultivo aquilo que não sou nem feminina nem masculina-

por hoje, e por nós

"não tinham lido Bernanos mas sabiam desde o berço que quem
é rico explora, quem explora torna-se esperto,
esperto e explora fundem-se em experto, perito,
quem se torna perito não acede ao conhecimento mas às tripas
dos pobres,
quem as tiver na mão tem praticamente todos os valores que
contam,
com esses valores é um jogo de oportunidades transformá-los
em bens onde não é visível qualquer rasto de sangue. Não faltam
profissões de peritos para transformar esse elo em elo perdido.
Desaparecem rastos e provas." Maria Gabriela Llansol

Os cabelos, as mãos, as partituras da imagem

Tarkovski estava dormindo e me pedia um caderno. Dizia para que ficasse mais em casa, mesmo quando na rua,

Cuidando da cor dos meus olhos

Ele se mostrava e se escondia.

“O mundo não virá até você”, dizia. Sustenta as imagens e as palavras em si, retira delas o seu “i”.

(na partitura da outra infância, infância da sobra de um contorno)

Nela, o pai ajuda a dividir.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Escrevo sentada para a morte
Após o terceiro dia, a casa empedrada apontava para
o cheiro do leite, a alimentação recém nascida que segurava o sono masculino
virtude e tempo molhado contaminam-se
há frio nas casas e pergunto se é apenas isso o poema
escrevo ameaçada de morte
apenas isso
enquanto a senhora da luva azul insere uma meia em cada frase
era lúcida a nossa conversa de lã
o poema e a morte estão por um triz
a noite masculina de blusa azul
divide com os pássaros a metade de uma conversa
há quanto tempo não dormimos numa certeza?
o coágulo amordaçado no quarto
a espera de um futuro
entorna o leite do poema

dái-nos a luva azul, senhora
para tocar no frio na letra, ò mãe

segunda-feira, 14 de novembro de 2011


(foto de Camila Peixoto)
















Orfã no Cemitério, Delacroix

uma casca, um telhado ou um poema

luta pelo destino da página
escreve com a boca de uma criança
perfura a fruta no desejo do pássaro
interroga o sexo das flores
e diz à chuva: não apavore nossas casas.
A vida precisa remar.
o punho vai firme à página- completam-se. Sinto que posso continuar.
"Mas há o perigo de se amassar o crânio de uma criança" - disse-me.
- Pergunto: e de que doença sofreria aquela mulher que chorava com os cabelos a teus pés?

Ele responde: "Sinceridade, esta recém-nascida"
era terrível
e, no entanto, fomos
arrancar as flores sem raiz
e plantar cabeças inchadas no fundo da terra

pois crescer era colocar a frase solta no branco da página
encontrar a solidão de romper o próprio solo

domingo, 13 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

esta noite aconteceu algo estranho: sonhei que estes olhos não eram mais iluminados. minha vontade não fazia sombra. e ver um objeto era junto à palmeira, ao úmido da seiva e sair de um sono.
Foi a melhor terra que já vivi.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

[da saudade]

Meu irmão foi meu primeiro professor de literatura. Era difícil aceitar seu amor pelo mineral e a sua vontade de dormir ao chão. Tirava o sorriso de dentro da pedra. Era possível contar nos dedos os momentos que dela saía para estar comigo. Mas vinha.

Com ele conheci minha primeira estante. Em meio aos caóticos livros habitados num pequeno quarto, havia os escolhidos por ele, sublinhados com a lapiseira fina de seu silêncio. Era seu modo branco de saudar a vida. Para quem quisesse escutar.

Íamos felizes à padaria. Eu, descalça, em estado bruto. Ele, esculpido em corpo. Tínhamos as mãos atadas. E foi aí que entrei na escrita. Para ter com ele a mão na pedra, a buscar o fermento para umedecer, partir e ferir a pedra. E dela sair o pão.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Há um diálogo aqui, mas não ouso indicar quem fala ou quanto diz,
não sei o que nos separa.
Era a chegada à igreja central. Ela sai do barco da escrita e participa da cerimônia à espera dos lobos.
Observa os padres sem espinhos, à procura do lobo final, o lobo cansado do dia, trazendo a mulher arrastada da floresta, onde a última coisa era ser mãe, era o gosto do perigo que valia, se fosse a última viagem, mesmo fraca, o alimento daria ao outro, mesmo caindo de sede, até a próxima cheia,
No entanto, era mãe.
Do cabelo arrancado, da loba musical, dos sapatos jogados contra a parede. Era a louca
Daquele rastro que não mais serviria. Toda manhã um novo cheiro. Misturado ao mar. Era preciso escavar o próprio. Porque se deita? Não importava ter duas ou três pernas,
medo e escolha saíam da mesma fonte. Não se pode, mas se vai,
ao sepulcro, verificar se o corpo está morto. E eis que
seja de ouro, na neve, debaixo do guarda-chuva, aos trapos
olha-se para dentro de um acontecimento. Os sinais, o tamanho da pegada de um livro, o tropeço na letra, a mordida silenciosa
e ouve-se os segredos da fome espalhada na história.
Para a planta que desejava ser humana,
Só o cão preto entenderia seu último grito. Arrancar a mulher de seu ofício é desastre
Pois o lobo rastreia a carne estranha. Soca o visitante na garganta da terra
e desta grande dor verte uma linguagem para
perfurar a janela
Estirpar o silêncio das famílias com seus caninos inusuais.
Quando o texto é amante da mulher,
Vive-se pelo encontro com o homem que não seja eterno
Para conviver com a novidade do desenho imenso:
O amor da língua não é convite
E como chamar o pedido de sinceridade da terra? Escrita. Ela se repõe.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Um Romance de Formação- em capítulos

- as unhas e o encontro com a superfície arranhada

- caminhando na estrada, dizer sim na cama da mãe

- em plena entrega, superar a obscenidade nas palavras de uma nova língua

- o perigo de se amassar o crânio de um animal ou de uma criança

- o ridículo que sustenta a vida, a invenção constante do nós

- com quantos ódios se faz uma escrita?

- onde buscar generosidade e água torrencial longe de casa

- o abraço de despedida, sangue de crocodilo, no vazio de um grito escondido, se assume a falta de força

- do rompimento com o gesto de ruminar um eu

- sobre o uso de armas incorretas contra a vida. Se a arma é apenas de enfraquecimento, matar e comer. Não deixá-la agonizando.

- Da descida ao talo. E o regresso

- O que se faz quando o espírito quer mais do que jantar, quer comungar

- Do aprendizado da educação aonde não se educa

- do instante à morte: a opção pelos que se roçam
As filhas da acídia ao abaixarem suas cabeças sentem o aroma da laranja
e logo entendem que precisam de perfume. Todo o cenário se refaz em lucidez empoeirada
mas por vezes ocorre do cheiro alaranjado voltar, inesperado, por dentro da fala
e suas veias negras transportam a calda da fruta, queimando,
em xícara nova, colher de prata
ela, que queria ser vestido acomodado no armário,
reconhece a terra:
-tenho vivido como vivo?
-até onde um corpo suporta o corpo?
e a laranja entorna
no sumo da contradição

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Livro das comunidades- Llansol

“A terceira coisa que mete medo é um corp’a’screver. Só os que passam por lá, sabem o que isso é. E que isso justamente a ninguém interessa.”
Um pássaro aqui pousou e disse:
- caguei na cabeça do sistema de arte falido
- caguei na cabeça do artista e a sua arte polida
- caguei na cabeça do ensino de arte cagado
Eu perguntei: E então, quem sobrou?
Ele respondeu:
Caguei na agonia da pergunta vazia

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Um diário

¨Pode-se viver completamente num mundo imaginado¨- esta frase me aconteceu nesta tarde. Estava a dormir, com meu livro de ressurreição ao lado,

Sim, posso dormir, mas ainda em total desconforto

Seria eu capaz de deixar o amor passar em branco caso fosse ele vivo e me acordasse nesta tarde? Eu me furtaria da escrita se ela fosse transbordo?

Não demoro a preencher,
mas o recipiente parece ser de grande volume.

Viver completamente no mundo imaginado? Corpo coberto comunga? Eis a pergunta, deitada de vestido, nua por baixo, para que o encontro, mesmo que sonolento, encarado de frente,

Aconteça.

A escrita se apresenta como o caminho por onde as pernas dançam. A censura não será maior que a música

Tenho me movido por muitas ideias,
Comparecido a belos encontros de quase inauguração, mas nada me convoca mais que este jogo que vai correndo entre os dedos,

Já não sei se a poesia me alarga
Ou me arrasa. Estou presa num fluxo de linguagem, de fala densa, cifrada, que explode em companhia dos olhos de alguém.

É preciso retirar-se da frente e ser passagem. Ou paisagem. Abandono da separação de estados e reinos.

Não consigo deixar de olhar para o animal que come. E todos parecem mais famintos que eu,
Atraio-me neste desespero que sacia
enquanto descrevo a página parece diminuir, esforço.

Descobri a cortina por onde olha o gato. Ele sabe que o quero,
Nos amamos e isto é lucidez. Eis que chega sempre a um mesmo ponto e desaparece. Qual a curiosidade, saberei a hora de voltar? Deixou um rastro ou dormirá esta noite ao relento?

domingo, 9 de outubro de 2011

Cara Babette,

Encontro-me adequada a um vestido aberto

Vejo o corpo do cavalo branco a descer a vila com sol

Estive a escorrer no escuro, a trabalhar para encontrar frases

Mas a fome passa da imagem

Há semanas, Babette, neste convite, estou a deixá-las

para seguir o monte,

haverá chuva aonde vier. Viveremos juntas

Não há vestígio nisso. Última estadia

A sentir-me viva na aula, no encontro das águas,

suporto que o monte me olhe. E diga: Absolutamente

Nos falaremos,

nem silêncio nem palavra.


Compõe, Babette, uma mesa farta, a toalha

habita o pequeno cálice,

som da compreensão,

que eu te responderei:
sim, os mestres chamaram-me,
mas o pelo amarelo deste pássaro
cegou este nome

Estou condenada a retirar meus olhos com receio de descobrir-te,
Mas posso ouvir o espanto de sermos, Babette, esta legião.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tomas Tranströmer

" Os fios elétricos
estendidos por onde o frio reina
Ao norte de toda música.

O sol branco
treina correndo solitário para
a montanha azul da morte.

Temos que viver
com a relva pequena
e o riso dos porões"

(trecho de poema)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

chuva no rio
dois irmãos
uma conversa

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Escorrendo frases para aliviar o sangue

A poética é a manifestação do ser, não é privilégio de ninguém.

Todo homem é um visitado, recebe um chamado interior. O trabalho é colocar-se em disponibilidade.

Viver em potência contínua.

Quando a gente fecha o corpo, perde a aventura.

Crias estratégias para permanecer estranho e vivo. Errar no seu mais profundo, errar por febre.

O homem é capaz de superar a loucura.

É preciso fazer algo com o que sobra.

Não existe exercício mais doloroso do que deixar de ser. No entanto, não existe exercício mais sublime do que deixar ser.

Banir a guerra por uma sensibilidade.

O silêncio é isso. Falar das coisas do presente.

Apropriar-se da impropriedade que somos.

A palavra se esculpe com o testemunho. A palavra ornamento é o testamento do homem.

Com Estamira:

Para cada marca um mesmo remédio?? Não pode ser...

O céu é apenas o reflexo daqui de baixo.

Tem o lúcido, o ciente, o consciente e o Sentimento, que é o que grava.

Quem anda com Deus largou de morrer? Largou de passar fome?

As doutrinas trocadas ridicularizam o homem.

Sou ruim, mas não perversa.

Tem o eterno, o infinito, o além e o além do além.

Me trata como eu te trato que eu te retrato. Do contrário, eu te destrato.

Vocês não aprendem na escola. Na escola só se aprende hipocrisia e charlatanice. Vocês aprendem com as ocorrências.

Eu transbordei de raiva.

Tenho raiva dos fracos.

Não humilhar os restos que ainda não são.

Tudo o que é imaginado existe, é e tem.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

arrasto a coberta da infância
na graça da escrita

haverá chuva dentro do corpo
até que o que mar ocorra sem sal

É o dizer antes do amém
Que come a carne da oferenda

-A recordação não me salva-

cumpre colher para onde vai o amor
mergulhar os dedos até o fim da imagem

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

POESIA 3 : casa da respiração
oração da oralidade
vestimenta do ato sem preparo

pelas mãos de Ariel

www.revistapausa.blogspot.com
estava sentada no jardim de classes
e ela tocou-me o ventre
arrancou-me a palavra enfiada nos tubos oraculares, suspensos na cama da respiração
Eu, que pintava a sala de benevolência
era chamada pelo vivo
ofereci braços e caninos. Ela negou, dizendo:
quero a folha que te sopra, enquanto teus olhos lêem.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

quando,

o sangue salgado do nariz à garganta
desce o calvário da pergunta
e me desintegra

é ela, a Casa Aberta,
se abrindo.

A matéria prima da mente
Vivendo no pulsa-corpo

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Llansol





Aos nossos olhos,

observaria por aonde vai o sol, e passa a casa
Na travessia no acontecimento do estar só. Para saber o tamanho do corpo. Ou duas páginas em hiato.
Mas retornar inteira ao que havia escrito aos cinco anos de idade, com as pernas, com as doces pernas que cinco vezes nasce, cresce e desaparece
é impossível.
Admitir a continuidade exige o acabamento,
de lavar os pés da mesa,
a viver a própria experiência, pesadamente. Que acontece e olha, quando quer.
Encontrar na casa aberta
a casa criadora. A casa aberta fixada na parede de um sim. Estou há duas horas do meu nascimento e começo a bulinar na pedra. A fundir as igrejas do corpo e apaixonar-me por Ela.
Desce o cavalo que passa a roubar os eucaliptos na rua
Cresce a primavera,
Em costuragens
epidermias
libidinagens
Outros rios descem bulinando na pedra. E ela responde como pedra
Estamos de prontidão nas costas do amor, montado nele. Todos os tijolos querem ocupar-se plasticamente deste encontro
Eu me preparava para dizer frases cheias. No entanto, a gente sabe
como nascer
Imersa, mergulhada,
da luz baixa à alta
A espera em tecidos velhos, da casa criadora
As frases e os moldes. A tolice indigna. Descansando na xícara acesa
Há tantos homens nessas ruas, dizes. Olhando dentro da janela.
E tocas neles? pergunto. Como a janela os toca?
as unhas estão plantadas
nos canteiros das páginas
e a fala de dentes tortos
comprime o espaço da sintaxe

-estar aqui pedia a repetição-

com o corpo em óleos quentes
eu me repetia como a pedra

aos nossos olhos:
a lembrança do tempo da conversa
e as duas faces de Deus

-o amor era a víscera do inesperado assunto-

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

“ponha-se como lugar”

As árvores estão a ler
este rosto
e folhas verdes aparecem nas dobras da primeira frase. Deixei de interromper o dia para escrever
e entrei na manhã da escrita


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Eu, a coletora de retalhos nasci para ocupar um nome
E chegar ao fôlego final no tempo gasto de um durante. Aos oito imaginava levitar
Hoje desço a ladeira carregando o poema
De enfiar o nome na terra e acolher o que cresce em cada migração
Só posso plantar o nome na escrita
Neste corpo que se encontra vivo, a descer a ladeira com sol. Estou a limpar,
Esculpi-lo vivo,
A lavar as roupas no quintal da terra
Bater, apertar, refazer a lâmina da voz
No limite de arrancar a musculatura da língua
Pois a roupa veste-se nova no branco da folha
da palavra humana ao absolutamente sim

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

todas as vezes que a palavra me visita tenho vontade de voltar-me ao jardim.
é o sol que se faz junto aos seres que se plantam.
Quando deixei de ser a toalha felpuda de Deus
Prestei depoimentos à terra
Aos poucos, folhas secas vieram ao meu encontro
As letras tinham as mãos sujas de lama
E o texto molhava a semente:
Fui solo aberto da palavra romper

o ritmo da escrita
é no corpo que se move

quarta-feira, 27 de julho de 2011

para Llansol

Vou amanhecer na hora das cebolas, nas camadas da pequena Teresa.
Chegar onde a água inunda.
E deitar sob os pés de alface daquela velha casa. A senhora, nas saias longas, me segue pelas cortinas.
Seus olhos me pediam para enfiar o filho de volta à terra
e curar o corpo na ferida da sala
Ela, galho forte nascido na estrada,
eu, pequena folha que se levanta no rastro animal
Aceito voltar à margem. Se nos plantarmos,
terrenos e territórios,
haverá o litoral.

terça-feira, 19 de julho de 2011

"fazer de nós vivos no meio do vivo"

Maria Gabriela Llansol
e na superfície e tecidos e livros
o oxigênio da Letra sim

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Matéria bruta: A casa era feita de pão, vinho e faca. A santa língua da majestosa fome. Eu disse sim, vai durar.
Retidão: veja,
não estamos na idade de pensar o mar, somos este. Passamos milênios a brincar de navegar os nomes, escuta. A Voz é aquela que roça o corpo nas folhas da palmeira. Não me convide a voltar à terra, descansar na ferida branca ou ninar as surpresas da areia. Eu vou,
mas para falar de joelhos, há duzentos anos, da casa térrea, robusta e líquida em que nos tornamos. Mesmo sem querer.

sábado, 18 de junho de 2011

sábado, 4 de junho de 2011

tão cheias de curvas essas ruas
tanto mais inclinadas
entranhas e paredes arranhadas
homens lavando calçadas
é sempre inicio da tarde

tão cheias de homens essas ruas
inclinando suas entranhas lavadas
arranhadas na curva de uma tarde
é sempre início

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Nos seus vinte e cinco anos, Vitória era aparente. Quando parada, um arco se constituía entre as pernas e a coluna, estridente e fina. Por mais que se respeitasse sua história, seu corpo não era coisa só. Tinha perguntas sem abrir a boca, amanhecia quando dizia seu nome. Quem a via, achava que tomava o todo dela, por este jeito separado, não elegante. Mas era mesmo difícil de entender. Aquele corpo tinha algo que parava, represa cheia e uma barragem. Cada tábua era uma aposta. De não duvidar da correnteza. Para não agonizar asperezas.
Era difícil aceitar que a coisa era. Que eu só sabia escrever, de um jeito ou de outro, de pronto. E resvalava. Eu sei que fica, e dói assinar um cheque, ou entrar na casa que sempre foi sua, tamanho inteiro, mesmo lembrando que a roupa da criança estava suja. E Simplesmente. E escrever assim não é proibido. É a mão. E logo atrás aparece outra. Tal é o valor, sem mais ou menos. E isso me valia a alma sem revés. Pela primeira vez.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

pois meu corpo é a última oportunidade de aportar em Ti...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

sem fome, eu não digo
e no prato, o que se come
é o intervalo de uma palavra à outra

sábado, 21 de maio de 2011

para deixar um pássaro ao seu lado sem precisar de gaiola
basta cortar semanalmente a ponta de suas asinhas
que crescem, toda vez que o vento chama
mas tem de ser rápido,
antes que o sol sopre a lembrança do ninho

sexta-feira, 20 de maio de 2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Já aconteceu de encontrar-me inteira com a tua face. São dias de sol, os cabelos ventam, descalça. E tudo se amarela. E eu te chamo de Deus que toca a pele, na falta de juízo, amarelamente.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

as temporadas
quando caminham em varreduras horizontais
ampliam vozes dos potes de açúcar
abrem segredos de um banheiro azul

nas temporadas da estrada
à beira do açúcar
no azul dos potes abertos
amam-se
os nossos segredos horizontais

terça-feira, 17 de maio de 2011

escrevia com unhas
no corpo do texto
e a superfície cedia
no corpo adentro
da carnívora palavra

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Meu lugar de dizer é úmido
Meia luz
Maior que um corpo, temperado
Água fina caindo em tempos de aparição
A cada jarro, um silêncio a romper

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Antes de perder-se
baixa os olhos na temperatura
lá, onde as vísceras correspondem
só um caráter, e sempre
te espera

quinta-feira, 14 de abril de 2011

sexta-feira, 8 de abril de 2011

quarta-feira, 30 de março de 2011

Antonio Ramos Rosa

Estou vivo e escrevo sol

Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

sexta-feira, 25 de março de 2011

Como um corpo salgado de tanto escavar a luz
sinto que transitas
passas apressado, a folha cai
uma voz cristaliza-se na janela

Por aqui as abelhas vivem para tocar trombetas
abrem os ouvidos em soluços e solstícios
na procissão de flores suicidas ao mar
encontro o lugar da montanha onde a neve pára

neste aconteço de perder e achar
é bem mais perto meu lugar de risco

quinta-feira, 24 de março de 2011

Roberto Juarroz

Cada poema faz esquecer o anterior,
apaga a história de todos os poemas,
apaga a sua própria história
e até apaga a história do homem
para ganhar um rosto de palavras
que o abismo não apague.

Também cada palavra do poema
faz esquecer a anterior,
desfilia-se por um momento
do tronco muitiforme da linguagem
e reencontra-se depois com as outras palavras
para cumprir o rito imprescindível
de inaugurar outra linguagem.

E também cada silêncio do poema
faz esquecer o anterior,
entra na grande amnésia do poema
e vai envolvendo palavra por palavra,
até sair depois e envolver o poema
como uma capa protectora
que o preserva dos outros dizeres.

Nada disto é raro.
No fundo,
também cada homem faz esquecer o anterior,
faz esquecer todos os homens.

Se nada se repete igual,
todas as coisas são últimas coisas.
Se nada se repete igual,
todas as coisas são também as primeiras.


Roberto Juarroz, In Poesia Vertical
(trad. Arnaldo Saraiva)

quarta-feira, 23 de março de 2011

O nome Ângela pede um chapéu logo em seu início.
Sempre escolhi utilizá-lo sem acento, deixando-o à condição de acessório, que se junta ao principal.
Preferia deixar a coisa principal em repouso.
À medida que o próprio, específico e originário se instalava, percebi que é inútil viver sem
Desequilíbrio.
O acento deixa Ângela enfática. Pende para o começo, põe o topo da cabeça no alto.
E o chapéu acompanha o desenho do A.
Signo de estado em felicidade: Â.
Poderia usar  como ponto de exclamação.
Dois pés cravados no chão e uma cobertura na cabeça.
O chapéu é palavra de horizonte. Traz a orla da praia, brisa leve, horizonte marítimo. Como se chamasse a ventania para soltar-se a ela.
Meu pai sempre escreveu meu nome assim: Â N G E L A.
E eu sentia vergonha dessa evidência. No entanto, eu sabia, ÂNGELA é a boca de uma criança sorrindo na praia.

terça-feira, 22 de março de 2011

Damião Experiença

pedra de desentoxicação

http://www.youtube.com/watch?v=KziyCC_nP9E&feature=related

terça-feira, 8 de março de 2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

quando a criança não encontra mais seus olhos de nascer,
hora de partir.
Não há pássaro que antecipe seu vôo
Peso ou medida que anuncie para onde
O que se ergue de um pouso inesperado, ergue o repouso para mais do que alto
Estranha tranqüilidade de permanecer antes do chão se abrir

domingo, 13 de fevereiro de 2011

sinto-me como se eu estivesse muito próxima de conhecer-me

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Domingo ao meio dia e a roseira era a única que faltava para a limpeza do canteiro. Nesta época suas flores crescem e logo se entregam como coisa amolecida, bojo aberto que não pende, insiste em abrir para cima. Eu olhava para tudo o que era seco e amarelo. E ao meu lado acontecia um corpo sem que eu soubesse seu início. Querendo a sombra, como mais uma folha escurecida pelo sol, vi um morcego pregado ao chão, massa achatada prestes a se abrir. Todo inteiro, coerente, tinha vontade. Meu corpo exposto levantava-se de mim, como num esforço de se por em asas.
Era imagem do horrível. Eu só saberia mata-lo. Eu só saberia abafar a brasa antes de começar a aquecer-me. Impossível deixa-lo, era a certeza da expansão. Aquela fisicalidade espalhava–se pelo meu passado e retirava-o como broto, cada pústula que se abria banhava-me de um tempo novo, um tempo do ato. Era vivo, era um morcego vivo que eu sentia. Intransmissível e meu. Como a roseira, continuo no morcego que foi. E no animal que fica.
Vi um cego na minha luz
e ele estava ao lado

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

esforço

Saber o tamanho de um pássaro disponível
andar sob a linha de pesca
deitar os olhos nas larvas que se enrolam
e o que se tem

Adequar o vestido para a ocasião de nascer
Nascer agora, sob uma espécie de ventania
Empurrando os mortos para os muros, murmúrios

Ócio divino do existir
Estudo as horas que se cercam de círculos
Ando com o pó de flor cingindo as ruas
e sei como duas orelhas se tocam no amor

Era por minha conta: raspar os restos de uma fome real e devolver no cio qualquer prato de abelha quente
o cheiro de lontra com a barriga na pedra é do mesmo peso que a tua mão procurando o ventre. O destino da carne é afogar-se em ato.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

sentada com os pés cravados no chão
passava a explodir em gagueiras
não era tropeço,
mas a contração da terra
que gestava em superfícies
o corpo denso da amora

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

quando você vem
venta o tempo para longe
macaco escorrega o dia a prender-se, emaranhar-se de abraços
luz amarela a parte branca do riso
lento leque a sorrir
abrindo
matas que transpiram calafrios
lâmina seca debaixo dos pés, a fio
clareira
chegada em estado prematuro
parada em dia santo, volume de vida azul
passa por mim tudo o que abre. Sou boca de girassol,
tiro de rifle, bíblia sagrada
quando é você
que vem

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

era preciso ser largo o bastante
para ouvir o irremediável que escorria certo
no dorso da palavra cadência
preciso expirar
meu tempo de espinha